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Foto:André Liohn |
A cobertura da mais sangrenta rebelião da Primavera Árabe, a
guerra civil da Líbia, rendeu a um brasileiro o Robert Capa Gold Medal, um dos
mais prestigiados prêmios de fotografia do mundo.
O vencedor da edição 2012 do prêmio – que foi instituído em
1955 – é o paulista André Liohn, 39 anos. Correspondente de guerra freelancer
há mais de uma década, já cobriu conflitos na Somália e Síria, entre outros
locais.
Ele realiza trabalhos como fotógrafo e cinegrafista para
empresas brasileiras ou estrangeiras, como a CNN norte-americana e a
organização de defesa dos direitos humanos Humans Rights Watch. Foi para esta
última Organização Não Governamental (ONG) que Liohn cobriu do início ao fim o
conflito na Líbia. Ele foi premiado por um grupo de 12 fotos tiradas em
Misrata, a cidade mais castigada pela guerra, que ficou dois meses sitiada por
tropas do ditador Muamar Kadafi, entre março e abril de 2011.
Foi em Misrata que Liohn testemunhou a morte de dois
colegas, britânico Tim Hetherington e ao americano Chris Hondros, seus amigos.
Os dois morreram em consequência de um disparo de morteiro e seus corpos foram
retirados da Líbia por esforço de Liohn, que ajudou a transportá-los de barco
para fora do campo de batalha. Ajudou o fato do repórter brasileiro conhecer um
pouco do idioma árabe.
Hondros também tinha sido ganhador do Robert Capa Gold
Medal, em 2005. Hetherington concorreu ao Oscar com um documentário sobre a
Guerra do Afeganistão. Os dois morreram em 20 de abril de 2011 e o próprio
Liohn quase foi morto em Misrata, cinco dias depois.
Liohn e um grupo de 10 premiados fotógrafos de guerra
criaram este ano o projeto ADIL (Almost Dawn in Libya), que consiste de coleta
de fundos para doações aos líbios, a partir da renúncia dos fotógrafos a
direitos autorais de fotos feitas na guerra civil líbia.
Eles coletam contribuições de ONGs e também realizam
exposições itinerantes com material fotográfico coletado durante a guerra. O
objetivo é promover uma reconciliação do povo líbio, tanto que as fotos contam
com colaboração de jornalistas que cobriram os dois lados em conflito.
Desde Nova York, onde está para receber o prêmio, Liohn
concedeu por skype esta entrevista a Zero Hora:
Zero Hora — Este é o maior prêmio da sua carreira?
André Liohn — É o mais importante. Creio que é o mais
importante prêmio de fotografia de guerra, no mundo. É uma honraria e tem muita
importância para a nossa profissão. Sou o primeiro sul-americano (e o primeiro
brasileiro) a ser contemplado com a medalha Robert Capa em 57 anos de prêmios.
Espero que isso sirva para que, no Brasil, o fotojornalismo ganhe impulso mais
crítico e independente. Tem muita gente fazendo trabalho bom por aí, mas tem de
sair do país, para ganhar um bom espaço. Fotojornalismo não é apenas cobrir
pauta e voltar para casa horas depois. Nem precisa ser devaneio estético. Pode
ser um meio termo, um bom trabalho de pesquisa, que retrate uma cultura em meio
ao conflito.
ZH — Um dos últimos vencedores desse prêmio foi o Chris
Hondros, fotógrafo a quem você ajudou nos últimos instantes de vida. Isso lhe
diz algo?
Liohn — Dia 20 fez um ano da morte do Chris e dia 25, quando
recebo este prêmio, faz um ano que eu próprio quase morri. São coincidências
intrigantes.
ZH — Como está o projeto ADIL, de ajuda à Líbia?
iohn — Procuramos ir além do jornalismo. Viramos
interlocutores da reconciliação dos líbios, é uma tentativa de contribuir para
isso. É um projeto novo e ambicioso. Dia 7 de maio volto à Líbia, imprimo catálogos
e começo a montar a exposição itinerante. Será bom para os líbios voltar à
vitrine internacional, agora de forma positiva. A situação lá melhorou
bastante, embora existam algumas escaramuças.
ZH — Quais seus planos imediatos de cobertura de guerra?
Síria?
Liohn — Estive na Síria em dezembro. Agora não dá para ir,
nenhuma empresa está bancando, em decorrência dos riscos para os repórteres. O
que é triste…O povo sírio precisa da presença da imprensa. Aquela história
precisa ser documentada. E sem apoio de jornais ou TVs, não penso em retornar.
É difícil enfrentar riscos, sem sequer a certeza de vender o material e ter um
apoio logístico.
O prêmio
A Medalha de Ouro Robert Capa homenageia o fotógrafo húngaro
radicado na França Robert Capa. Ele cobriu os mais importantes conflitos da
primeira metade do século XX, como a Guerra Civil Espanhola, a guerra entre
chineses e japoneses, a Segunda Guerra Mundial em vários frontes (Londres,
Itália, Normandia, a libertação de Paris), conflitos étnicos no Norte da África,
a guerra árabe-israelense ea primeira guerra da Indochina (Vietnã), onde pisou
numa mina e morreu, em 25 de maio de 1954.
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