domingo, 24 de março de 2013

O imaginário humanista da fotografia


A fotografia documental tem como principal característica o poder de tradução e registro de temas sociais e lutas políticas. Muito mais que isso, agora as lentes dos fotógrafos buscam incorporar outras representações para outros sentidos de conquista e emancipação humanista. Mesmo que isso inclua alguma construção por meio do imaginário e da subjetividade.

Muita da fotografia documental faz parte do fotojornalismo, mas os dois apresentam distinções muito precisas no que toca ao tratamento artístico e de interpretação da realidade. A fotografia documental serve-se da pluralidade para abarcar discursos, aparências, denúncias, contradições e valores distintos. O cotidiano, do banal ao bárbaro, é tema funcional desse gênero fotográfico e reforça o imaginário.

Mas aqui não entramos no embate “construção e apropriação do realismo”, usualmente usado pela crítica cinematográfica para refletir sobre documentários, pois a formação da fotografia documental introduz a subjetividade como elemento que cria cenários e assim gera a dúvida, contradizendo a realidade social. É possível visualizar a criação de outros cenários e formações imagéticas dentro da fotografia documental, principalmente utilizando a força subjetiva do que se olha! E para isso há recursos técnicos que auxiliam o processo de criação do fotógrafo, permitindo centralizar sua visão e discurso.
A fotografia alcança uma dualidade para o gênero documental ao apresentar esses autores de olhares abrangentes. O registro fixo, de enquadramento previsível, deixou espaço para representações sócio-político-poéticas da contemporaneidade de sua linguagem.

Isso é debate teórico e nada mais

Mas quando nos deparamos com a forma atuante de se relacionar com temas sociais, com o trabalho em movimentos que mesclam comunicação e direitos humanos, e principalmente quando nos deparamos com o choque em preto e branco proporcionado pelas imagens de João Roberto Ripper, compreendemos a formação distinta de um discurso que contempla multimeios.

Ripper trabalhou como repórter-fotográfico do Luta Democrática, Diário de Notícias, Última Hora, O Globo e Agência F4. Atuou como diretor na Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro, no Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro e na Federação Nacional dos Jornalistas. Foi coordenador das campanhas pela obrigatoriedade do crédito na fotografia e contratos de direito autoral e o responsável pela criação e implantação das tabelas de preços mínimos. Fundou e coordenou a organização não governamental Imagens da Terra, entidade de defesa dos direitos humanos, atuando principalmente na cobertura fotográfica de conflitos sociais (sem terra, índios, trabalho escravo, trabalho infantil, favelas, entre outros). E também idealizou e coordenou o projeto Imagens do Povo do Observatório de Favelas, que engloba a Escola de Fotógrafos Populares e a agência Imagens do Povo. O projeto é um centro de documentação, pesquisa, formação e inserção de fotógrafos populares no mercado de trabalho. Espaço que alia a técnica fotográfica às questões sociais, registrando o cotidiano das favelas através de uma percepção crítica, que leve em conta o respeito dos direitos humanos e da cultura local.


O sujeito anônimo, o transeunte desconhecido, tornam-se costura para a revelação do cotidiano de certos espaços e para a denúncia de alguns modos de vida. Há 13 anos Ripper faz documentação social em comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul, principalmente entre os Guaranis-kaiowás. Documenta trabalho escravo e infantil, com enfoque especial nas fazendas da Amazônia, principalmente no sul do Pará, e em projetos de recuperação de crianças, além de atividades de grupos de profissionais como carvoeiros, caranguejeiros e marisqueiras.


Quem percebe as fotografias de Ripper capta a formação humanista, o avesso daquele tratamento que simplesmente manipula um dado, ou representa uma estatística. O olhar trazido por Ripper traz perguntas aos processos ilegais, ao caos da informação, a necessidades básicas, à discriminação social e à relação entre homem e natureza, provocando (incessantemente) o debate.

E apesar de ter uma carreira longeva (iniciou aos 19 anos no jornal Luta Democrática), sempre participou em trabalhos coletivos. Foi somente em 2009 que fez sua primeira exposição individual e publicou o livro “Imagens Humanas”, com 195 fotos, selecionadas a partir de um acervo de 150 mil imagens.





Reflexo social no Brasil

Foto: Leandro Cunha

domingo, 17 de março de 2013

Foto na Faixa de Gaza conquista World Press Photo

Em novembro de 2012, em um conflito entre israelenses e palestinos na Faixa de Gaza durou por volta de uma semana e matou cerca de 170 pessoas. Durante os ataques, o fotojornalista sueco Paul Hansen fez a foto que recebeu o World Press Photo of the Year, o mais importante prêmio do fotojornalismo no mundo.

No dia 20 de novembro, Paul fotografou moradores levando duas crianças e o pai delas, mortos, para um funeral em um mosteiro. A família morreu em consequência de um míssil israelense, cujo alvo era a cidade de Gaza. Segundo o júri, a imagem carrega um forte contraste entre a raiva e o pesar dos adultos e a inocência das crianças. O prêmio consiste em uma quantia de cerca de R$26 mil e uma câmera DSLR  com kit de lentes da Canon.

quinta-feira, 14 de março de 2013

quarta-feira, 6 de março de 2013

Um outro olhar sobre a redação

Igo Bione

O trabalho cotidiano nas redações de jornal é puxado. Sejam separados por paredes, por editorias, categorias ou não, nos vemos distantes - alguns por horas a fio - do nosso colega ao lado. Isolados pela concentração na apuração e na construção do texto, às vezes não estabelecemos sequer um contato visual direto com os companheiros de trabalho.

Vivendo esta atmosfera há quatro anos (1 ano e 3 meses no Jornal do Commercio), o fotógrafo Igo Bione, 27, resolveu quebrar a rotina das redações. Ele convida algum colega para o estúdio do JC e, despidos de qualquer coisa que possa tirar a atenção, os "modelos" são fotografados. Após edição - para serem colocadas em preto e branco, com objetivo de valorizar as formas - Igo publica o "falso nu" dos fotografados em sua página pessoal do Facebook. E o efeito é imediato.
Jacques Waller, do JC Online
"Em segundos a redação toda está gritando, sorrindo, brincando. Quebra a rotina. É massa!", comemora, diante do objetivo conquistado. Quase que diariamente algum repórter tem sua foto lançada no Facebook. "É uma forma de o repórter observar o seu colega ao lado, já que a correria diária muitas vezes dificulta isso. Cinco ou oito segundos que a gente para as coisas para observar o outro, já é positivo".

E Igo procura brincar com a identidade do repórter, lançar um olhar diferente sobre aquela pessoa. Uma repórter vista sob um olhar mais terno, o fotógrafo tenta revelar uma face sensual. Um repórter mais sisudo tem revelado seu sorriso. O jogo desperta a curiosidade entre os colegas de redação, que inevitavelmente se tornam mais conhecedores do fotografado.
Beatriz Braga, do Caderno C
Para Bione é um momento em que todos estão no mesmo patamar. "Estagiário, fotógrafo, repórter, editor ou motorista, alí [diante da lente] são todos iguais". É um momento - em meio à rotina diária, entre uma pauta e outra - em que as pessoas se despem dos cargos e das responsabilidades cotidianas. E dentro do ambiente de trabalho.

"É algo sem uma superprodução. Desmistifica o estúdio", afirma, lembrando do tradicional Estúdio Foto Beleza (existente desde 1931), onde as pessoas pagavam caro para serem fotografadas. "Tinha gente que mal nascia e era levado para o Foto Beleza. Então até hoje as pessoas veem essas fotos como algo glamuroso ou caro", recorda, avaliando que faz bem para a auto-estima do fotografado.

Ele passa menos de 10 minutos no estúdio com cada repórter escolhido. As mulheres no máximo passam um corretivo no rosto ou um batom. Os homens só tiram a camisa. "É a rapidez e a versatilidade do fotojornalismo levado para o estúdio", diz. Para conseguir o melhor lado, a expressão procurada, Igo Bione escolhe seus modelos após bom período observando-as no dia a dia.

A ideia surgiu após fazer a foto de uma colega. "Eu vi aquela foto e pensei 'isso pode dar algo interessante'", lembra. Na mesma semana, ao ver uma colega de redação com corte de cabelo novo, chamou-a para uma foto. Fez no mesmo formato. E gostou. Lançou ambas no Facebook e teve o sucesso mensurado pelas curtidas e comentários.

Desde então foram 25 fotos publicadas. Tem sido positivo para o ambiente de trabalho e também para Igo, que estava buscando algo em que pudesse se soltar mais, fugir um pouco do fotojornalismo. A ideia é focar o trabalho na redação do Jornal do Commercio.

Igo Bione é formado em Relações Públicas, mas começou a estudar fotografia ainda na faculdade. Com um curso básico, começou a fazer trabalhos free-lancer e foi chamado para o seu primeiro veículo de comunicação em 2009. "Sempre gostei de fotografar gente", garante. Chegou a dar aulas de luz e flash - algo que ele pretende retomar. Bione destaca os trabalhos especiais Tramas da Renda, de Novembro de 2012; e Ternura e Delito, publicado no Jornal do Commercio deste domingo.

Começou o Festival de Fotografia de Tiradentes

Foto: João Bardy

Começou ontem, dia 06 de março de 2013, a terceira edição do Festival de Fotografia de Tiradentes-Foto em Pauta. Até o próximo domingo acontecerão diversas atividades como exposições, workshops, palestras, debates, leituras de portfólio, projeções de fotografias e atividades educativas voltadas para a comunidade local. As atividades serão ministradas por profissionais de renome nacional e internacional cuja produção artística é representativa no cenário da fotografia brasileira. O Foto em Pauta Tiradentes é coordenado pelo fotógrafo e professor da PUC Minas Eugênio Sávio e pelo fotógrafo da Nitro Imagens, Bruno Magalhães.

Veja a programação completa em http://www.fotoempauta.com.br/festival2013/

terça-feira, 5 de março de 2013

Zero Hora lança aplicativo para valorizar conteúdo visual do veículo

Biblioteca Pública de Porto Alegre é retratada na primeira edição do aplicativo (Imagem: Tadeu Vilani/Zero Hora)
 Apaixonados por fotografia provavelmente vão gostar do novo aplicativo do gaúcho Zero Hora. O jornal lança conteúdo para tablets que permite explorar a parte visual do veículo. A ferramenta ‘Foto ZH’ traz galerias de imagens da semana, além de ensaios e reportagens fotográficas.

A novidade está disponível tanto para iOS, como para Android. Aparelhos que operam com iOS, contudo, conseguem rodar dois serviços adicionais. Se o usuário se cadastrar como assinante, o aplicativo baixa automaticamente a revista fotográfica, quando uma nova galeria estiver no ar. Caso o leitor prefira fazer o download, pode ser avisado quando o ‘Foto ZH’ for atualizado, por meio da opção push notifications.

O conteúdo é feito por 15 profissionais da equipe de fotojornalistas do Zero Hora. A primeira edição do aplicativo traz um ensaio da Biblioteca Pública de Porto Alegre, feito por Tadeu Vilani. As imagens mostram detalhes da arquitetura do prédio, de móveis e pinturas originais.

Para o editor de fotografia do veículo, Jefferson Botega, a paixão pelo trabalho é o que move os profissionais da área. “Somos apaixonados por fotografia, queremos registrar tudo, a imagem garante a eternidade daquele momento. Queremos a imagem diferenciada, carregada de emoção e convidativa a reflexão”.

Galinha pintadinha

Foto: Marlio Forte

A poética da foto arte

Yuno Silva

Escadarias do Museu do Vaticano fazem parte da série Bressonianas (Foto: Juan Estevez)
A tecnologia vulgarizou a fotografia, no bom sentido, e hoje o ato de "desenhar com luz e contraste" está ao alcance de qualquer mortal. As lentes digitais estão presentes desde simples celulares ao mais sofisticado dos gadgets (gíria 'modernosa' para designar dispositivos eletrônicos portáteis); isso sem falar nos equipamentos profissionais, e o foco da questão deixou de ser "ter acesso" para "fazer a diferença". Chamar atenção em meio ao mar de imagens que inundam a internet todos os dias, ou mesmo merecer espaço no acervo de museus que dedicam cada vez mais espaço à fotografia enquanto linguagem artística, tornou-se meta de muitos - e é aí que entra o olhar, a percepção e a sensibilidade de quem dispara o clique; é nessa trincheira que encontra-se o fotógrafo paulista Juan Esteves.

Membro do conselho curador do Festival Internacional Paraty em Foco, um dos dez eventos mais importantes do mundo na área, Esteves aterrissa no RN dia 8 para ministrar curso e analisar portfólio de potiguares interessados em investir em conceitos autorais. Certo, ok, há quem defenda que fotografia nada mais é que um registro do cotidiano, limitada ao documental puro e simples, mas o grupo do qual Juan faz parte aposta no potencial artístico da foto e na formação crítica do fotógrafo.
Ex-editor de fotografia da Folha de São Paulo, Juan Esteves falará sobre aspectos da nova fotografia autoral
"Como atividade técnica, basta apertar um botão e se produz uma foto", resume, "mas a proposta do workshop é ir além. O objetivo é orientar e propor novas formas de abordagem, traçar um panorama do mercado de arte e como a fotografia se insere nele", antecipa o fotógrafo, que lembrou ter passado algumas horas em solo potiguar durante a campanha presidencial em 1989.

A  oficina, na verdade, será uma vivência de três dias (de 8 a 10 de março) realizada na pousada Fulô da Pedra, município de Passa e Fica (RN) - distante cerca de 100km de Natal. O lugar, divisa com a Paraíba, está incorporado à paisagem do Parque Estadual da Pedra da Boca.

Compilação de um curso oferecido em São Paulo, a oficina também irá tratar de linguagens;  fundamentos e primórdios da fotografia; o retrato e suas implicações; perfil dos fotógrafos-artistas; quem são os colecionadores e o que eles procuram; mercado, museus e galerias. O programa é amplo e inclui os formatos da fotografia digital, a melhor maneira de arquivar e como o Photoshop atua na composição das imagens.

Olhar sobre a técnica, portfólios e coleções

Juan Esteves frisa que "educar o olhar" não significa impor de maneira autoritária conceitos e "sim oferecer subsídios para para a formatação de ideias, independente do eixo em que cada participante atua". Segundo ele, não basta ter técnica e equipamentos ultra modernos se não se consegue criar, e pelo perfil amplo da atividade o público-alvo é qualquer pessoa interessada em fotografia, seja profissional ou amador - não é necessário levar nem ter equipamento profissional.

Francisco Brennand, Oscar Niemeyer e Abrahan Palatinik: o retrato e suas implicações (Fotos: Juan Esteves)

Para dar uma geral sobre o mercado, o fotógrafo irá identificar durante o curso quem são os principais colecionadores, quais os museus estão mais abertos à foto artística, que tipo de foto se colecionam, quanto valem, como são vendidas. "É importante para o currículo de qualquer fotógrafo ter uma imagem na coleção de um museu, mas qual tipo de imagem eles procuram?", disse Juan, que traz na bagagem 25 exposições individuais e participação em outras 180 coletivas. Professor universitário, colaborador de revistas nacionais e internacionais especializadas e ex-editor de fotografia da Folha de São Paulo (1985-94), Esteves tem propriedade para falar sobre o assunto: suas imagens fazem parte do acervo do museus de Arte Moderna e da Imagem e do Som de SP, do MASP, da Pinacoteca de São Paulo, do Musée de L'Elysée em Lausanne (Suíça), entre outros.

"Tenho alunos em São Paulo naquele momento de transição, jovens ou gente que quer mudar de profissão, encantados com os processos da fotografia. Querem viver disso, mas ainda não sabem como entrar no mercado; por isso o caráter de orientação".

Um dos momentos da oficina será a análise de portfólios. "Cada vez mais se busca esse tipo de análise conceitual e técnica do conjunto de um trabalho. A leitura de portfólios indica caminhos, e acredito ser a oportunidade ideal para se discutir  o perfil que se busca, de pensar a fotografia conceitual dentro do que já vem sendo feito, de avaliar o que funciona e o que pode funcionar".

Sobre o embate foto análogica e digital, Juan pontua: "Não acredito nessa perda da magia. As pessoas estão fazendo uma confusão muito grande: fotografia digital não é uma evolução e sim uma outra coisa que surgiu com o advento da tecnologia. A preocupação é com a criação, o suporte está em segundo plano e essa discussão não aprofunda em nada o debate", finaliza.

Serviço: Wokshop e leitura de portfólio com o fotógrafo Juan Estevez (juanesteves.com.br). De 8 a 10 de março na Fulô da Pedra, Pedra da Boca, Passa e Fica (RN). Vagas limitadas. Informações e inscrições: 9982-2519 e 8755-9460.