Ao longo do século XIX, a fotografia, para ser reconhecida como arte, procurou fugir de suas qualidades estéticas convencionais, no sentido de conquistar uma "artisticidade", que, até então, lhe fazia falta. O diálogo da fotografia com a Arte é um dos eixos temáticos principais que rege a pesquisa da crítica Annateresa Fabris, em "O Desafio do Olhar - fotografia e artes visuais no período das vanguardas históricas".
Fabris sustenta a hipótese que, com o objetivo de ser vista como arte, a fotografia tenta promover resultados pictóricos e gráficos. Nesse contexto, o pictorialismo acaba por abrir caminho para a definição da fotografia moderna, quando propõe um distanciamento entre imagem e referente, afirmando a autonomia do meio como sistema de representação visual.
As artes visuais, por sua vez, nunca deixaram de dialogar com a fotografia, principalmente no século XX. Artistas como Heartfield, Klutsis, Ródtchenko e Lissitzky passam a explorar elementos da comunicação de massa em fotomontagens, nas quais a questão política não impede o emprego de princípios plásticos modernos. O que demonstra o quanto estavam cientes da necessidade de novos instrumentos visuais numa sociedade em processo de transformação pela mecanização.
Capítulos
De acordo com a autora, "a pesquisa que deu origem ao livro teve como objetivo analisar as complexas relações entre fotografia e artes visuais, desde meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX". No século XIX, ressalta ela, a fotografia passa a lançar mão de temas consagrados e de alegorias. Ao mesmo tempo, são ensaiados novos processos como a fotografia composta, graças à qual é possível realizar composições com muitas figuras.
"Um episódio determinante é representado pelo pictorialismo, que acaba, de maneira própria, por contribuir para a definição de fotografia moderna, ao propor uma distinção entre imagem (fotográfica) e referente (exterior). Numa etapa posterior, graças a figuras como Alfred Stieglitz e Paul Strand, é afirmada a autonomia da fotografia como sistema de representação visual. É importante lembrar que, no caso de Strand, não pode ser esquecido o diálogo que o fotógrafo estabelece com o cubismo, do qual deriva uma nova ideia de espaço", declarou. "O Desafio do Olhar" é constituído por três capítulos: "Na encruzilhada: arte e fotografia no começo do século XX"; "A convergência com a ciência: o movimento como trajetória"; e "A convergência com os meios de comunicação de massa".
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Henry Peach Robinson aparece numa das imagens (Os últimos instantes, de 1858) |
No primeiro, a autora dá destaque a vários modos de emulação da pintura, replicando modelos pictóricos e fotografia composta. Também é destacada a emancipação do pictorialismo e a busca de uma definição mais precisa para uma fotografia artística que não despreze a natureza técnica do aparelho.
Já no segundo capítulo, Fabris analisa os diversos aspectos de uma prática interessada em colocar a imagem fotográfica numa dimensão dinâmica, inexistente, por razões técnicas, nos primeiros ensaios realizados com o novo meio. "Seu ponto de partida está na apresentação de várias tentativas de fixação do movimento, cujos resultados mais consistentes serão alcançados com a fotografia instantânea, com os registros de fases da locomoção humana e animal, levados a cabo por Eadweard Muybridge, e com o método cronofotográfico desenvolvido pelo fisiologista francês Étienne-Jules Marey", explica a autora.
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John Heartfield investia em fotomontagens políticas, a exemplo de Como na Idade Média |
Para finalizar, no terceiro capítulo, Annateresa se debruça sobre três estudos de caso: as fotomontagens políticas de John Heartfield; a prática da fotomontagem na Rússia pós-revolucionária; e um conjunto de quadros realizados por Francis Picabia, nos anos 40, a partir de ilustrações fotográficas publicadas em revistas populares.
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O Desafio do Olhar
WMF
Martins Fontes, 2011, 240 páginas, R$49,80