Derek Redmond ajudando-o a terminar os 400m depois que sua panturrilha estourou nos Jogos de Barcelona em 1992, Carl Lewis, Michael Johnson, sir Steve Redgrave – as memórias de infância estão cheias desses momentos e ídolos. Sou um desses caras que passa duas semanas grudado em cada esporte, de repente um especialista em arco sul-coreano, dissecando as sutilezas do pouso de um ginasta, elogiando os movimentos de um remador neozelandês. Até onde posso me lembrar, fui um viciado em Olimpíada. Mas a Paralimpíada? Nunca realmente me pegou. Meu erro foi pensar que a Paralimpíada tentava copiar a Olimpíada. Depois entendi que estava errado.
Então, num dia de verão do ano passado, enquanto trabalhava como fotógrafo no Afeganistão, meu relacionamento com a Paralimpíada e a deficiência mudou. Em um instante, uma bomba escondida me transformou de um homem capaz, um maratonista de 40 anos, em um triplo amputado. Para a sociedade, eu havia me tornado um homem gravemente incapacitado. A grande ironia foi que durante anos eu tinha documentado os feridos em conflitos ou marginalizados pela sociedade por causa de sua deficiência. Agora eu estava em suas fileiras.
Dois anos atrás, quando eu via alguém sem uma perna ou um braço, me perguntava como essa pessoa podia suportar. As façanhas de Oscar Pistorious antes me pareciam impossíveis; agora eu olhava com inveja para sua amputação abaixo do joelho.
No início de minha jornada, enquanto me recuperava de mais uma operação, lembro-me de uma enfermeira que disse: “Você deve estar realmente entusiasmado com a Paralimpíada”. Não foi a primeira vez que alguém fez um comentário parecido, mas ele ainda deixou meu coração apertado. Era um lembrete de como o mundo me via agora.
Desde o dia em que dei aquele passo fatídico no Afeganistão, sempre me senti a mesma pessoa; no entanto, inevitavelmente, não sou. Meu cerne, minhas paixões, meus amores e interesses continuam os mesmos; meu corpo, porém, mudou para sempre. Para os que olham para mim, quando me conhecem, é o corpo que veem. Sou rotulado como um deficiente.
No início lutei contra a ideia de que eu era um deficiente e tentei evitar qualquer associação. Não queria que meus ferimentos me definissem, ser visto de algum modo diferente de quem eu era. Por isso a Paralimpíada era algo que eu quase desprezava. Não gostava da ideia de ela salientar, ou mesmo comemorar, a deficiência.
As coisas começaram a mudar para mim quando saí do hospital. Tive a sorte de começar minha reabilitação com os militares em Headley Court, em Surrey. Embora não fosse necessariamente o lugar ideal para mim – não sou muito competitivo e prefiro uma abordagem da vida mais solitária –, ele me mostrou a importância do esporte e dos desafios na recuperação.
Entre nós havia alguns que pretendiam ser, e hoje são, paralímpicos. Outros tinham metas diferentes: pedalar através da América ou voltar a esquiar. Todo mundo, porém, enfrentou seus desafios individuais com incrível resolução. Ter essa meta os animava e dava uma sensação de objetivo quando tanto tinha sido tirado deles. Na verdade, costumávamos brincar que alguns caras não pareciam ter sido informados de que tinham perdido ou ferido um membro, pois continuavam treinando com toda a intensidade que um dia possuíram, senão mais. Eles tinham aceitado seus ferimentos e não estavam preparados para aceitar que fossem barreiras. Foi um privilégio treinar ao lado deles.
Com o passar do tempo, os jogos se aproximaram, e como eu havia conhecido alguns paratletas minhas opiniões começaram a mudar. Em parte através de seu exemplo, comecei a aceitar meus ferimentos e o modo como a sociedade me via agora. De modo surpreendente, comecei a ver as vantagens e benefícios de minha situação.
É claro que muitas atividades são mais difíceis, algumas até impossíveis. Tenho de conviver diariamente com dores. Como fotógrafo, tenho consciência de que não poderei fazer muitas das coisas que antes fazia. Muitas vezes olho para imagens que fiz no passado com uma tristeza que vem do fato de saber que não poderia refazê-las hoje. No entanto, você aprende a não enfocar no que não pode fazer, e sim no que pode. Agora vejo que algumas de minhas capacidades melhoraram. Estou mais considerado e enfocado, e grande parte de minhas dúvidas surpreendentemente se dissiparam. Mais importante, minha empatia e compreensão de meus temas aumentaram. Antes do acidente fotografei algumas cenas muito perturbadoras e muitas vezes me senti um abutre capturando o sofrimento dos outros – apesar de saber os motivos para tirar aquelas fotos. Ter passado por algo semelhante possivelmente dará a minhas fotos uma visão mais profunda.
Ainda este ano espero voltar ao exterior para continuar minha fotografia humanitária. Durante muito tempo questionei se isso era certo, pois achava que não deveria fazer esse trabalho a não ser que estivesse no topo do jogo. Depois de muito pensar e praticar, estou convencido de que voltarei ao trabalho um homem e um fotógrafo melhores do que era no dia em que dei aquele passo fatídico.
Foram esse crescimento e essa compreensão que mudaram minha opinião sobre a Paralimpíada. Hoje percebo que estava errado em minhas percepções dos jogos. Tudo está no nome. Esta é a “Olimpíada paralela”, não tenta competir com a Olimpíada ou comparar-se a ela. Celebra os atributos e as técnicas que estes atletas possuem. Quando as pessoas questionaram se Pistorius teve uma vantagem injusta na Olimpíada, estavam certas – não por causa de suas próteses high tech, mas por causa da força que sua jornada lhe deu.
Para a maioria dos atletas olímpicos, o treinamento é seu maior desafio e onde eles se esforçam até o limite. Para os paralímpicos, treinamento e competição são uma escapada das dificuldades e lutas da vida cotidiana. Essa é a diferença.
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