Foto:Rodrigo Braga |
Por Ricardo Braga*
Há tempos, quando morei na Amazônia, o meu sonho de consumo
era comprar uma boa máquina fotográfica na Zona Franca de Manaus. Com a
primeira bolsa do CNPq, comprei uma Assai Pentax, de objetivas trocáveis, com
macro, tele e grande angular.
Logo me bateu uma febre de fotógrafo e sai clicando
paisagens, gentes, bichos, plantas e águas. Mesmo assim, como ainda usávamos
filme e não cartão de memória, procurava ser comedido porque cada foto copiada
subtraía mais um pouco da bolsa que recebia.
Lembro que eu escolhia o alvo ou objeto da minha investida
fotográfica através da lente, clicando quando a composição parecia razoável.
Não me dava tempo de observar o entorno com calma, detectar nuances, cores e
movimentos não convencionais. Dias depois, procurava me lembrar de detalhes da
paisagem, das expressões de um grupo de caboclos não fotografados, das flores
de plantas que cresciam às margens da minha caminhada ou de quem era aquele
assovio que vinha da mata, mas muitas vezes não tinha em minha memória a
referência da imagem. Procurava nas fotos e também não a via.
Foi aí que iniciei uma prática importante e reveladora:
exercitar a memória visual. Na maior parte das pessoas, para impressionar a
memória é insuficiente olhar; é necessário enxergar. E eu me incluo nesse
grande grupo. Preciso que o objeto específico, ou a paisagem como um todo, me
sensibilize e se insira na minha vida, mesmo que seja por um lapso de minuto,
justificando a apreensão na memória, para desfrute futuro.
Na esteira dessa descoberta, passei, deliberadamente, a ir a
algumas excursões sem a minha Pentax, exercitando a memória visual. Voltava
para casa e relembrava com mais firmeza certos momentos, embora não pudesse
provar a quem não estava comigo.
Foi assim que guardei na lembrança como absolutamente real a
perseguição de um bando de caititus (porcos do mato ou catetos) por cachorros
farejadores acostumados a ajudar caboclos amazônicos em suas caçadas. Naquele
momento, despojado de conceitos do bem e do mal ou do que é politicamente
correto na metrópole, acompanhei a rinha com a agilidade que os olhos me podiam
oferecer, terminando com a morte de oito dos doze animais perseguidos e com
escoriações graves em dois cachorros, provocadas por mordidas de desespero e
raiva.
Lembro bem dos olhares assustados e dos dentes estalando
daquelas presas encurraladas no oco de troncos caídos na mata e da avidez dos
predadores, uns motivados pelo divertimento carnívoro de perseguir quem foge,
outros estimulados pela carne assada nas próximas refeições. Não tenho registro
fotográfico, mas não é estória de caçador.
Mais tarde descobri que o bom fotógrafo enxerga sem as
lentes da máquina, usando-as para registrar o que já viu e firmou como belo,
horrível, intrigante ou denunciador. A imagem fotografada não consiste só no
objeto que a motivou, mas agrega o olhar e a interpretação instantânea do
fotógrafo, que a vestiu de conceito e de uma maior ou menor verdade. A foto
resultante pode até ser ilusão, desde que o artista por trás da lente a
determine.
Agora, acabo de ganhar uma Canon semi-profissional de
presente. Quem a me deu sabe o quanto eu gosto de ver e interpretar a paisagem
e seus elementos. Cabe-me agora exercitar este olhar como artista para que a
memória fotográfica dos momentos ímpares possa ser compartilhada, via cartão
digital. Só o desafio já me dá prazer!
*Ricardo Braga é ambientalista,professor da UFPE
*Ricardo Braga é ambientalista,professor da UFPE
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