Foto: Ricardo Lisboa |
Por National Geographic Brasil
Entre 2004 e 2011, Sebastião Salgado visitou cinco continentes, em mais de 30 viagens para regiões quase sempre inóspitas, como Sibéria, Galápagos e Papua Nova Guiné. Pela primeira vez, Salgado documentou, como frisa, "outros animais além do homem". Retratou paisagens, fauna, flora e comunidades humanas que ainda vivem dentro de suas tradições ancestrais, imunes às transformações impostas pelo modo de vida contemporâneo.
Como foi a experiência de fazer Gênesis?
Com dois anos de preparação, oito de fotografia e mais dois de pós-produção, passei grande parte da minha vida dentro desse projeto. Foram, em média, oito meses por ano viajando, naquele que talvez possa considerar o período mais rico da minha carreira. Gênesis fecha um ciclo com os projetos que fiz antes, sobre as guerras na África, trabalhadores e refugiados. Agora, tive a chance de conhecer locais fabulosos e aprender a respeito da minha relação com o planeta e com outros seres humanos. Convivi com grupos que representam o que fomos 10 mil anos atrás. Fui bem recebido. O homem é um ser gregário por natureza. Minha impressão é que a agressividade surgiu depois de certa organização espacial.
Como foi a sua relação com os povos retratados?
Quando você passa um tempo com as pessoas e elas compreendem o seu trabalho, que você deseja mostrar a dignidade, a personalidade delas, a maneira como vivem, elas têm orgulho de participar. Os nenets, do norte da Sibéria, por exemplo. Eles montam e desmontam suas casas todos os dias. À noite a gente comia junto, discutia junto questões cotidianas. Se eles matam uma rena, também tomam o sangue, e sempre aparece alguém com uma garrafa de vodca. É como uma família.
Aprendi com eles algo que nós perdemos na nossa sociedade: o conceito de essencial. Temos uma quantidade enorme de coisas. Compramos, acumulamos e não usamos. Se você der aos nenets um presente que eles não possam transportar no trenó, eles não aceitam. Eles possuem apenas o necessário para subsistir em uma condição climática extrema e são tão felizes quanto uma pessoa que vive em um grande apartamento em São Paulo.
O que perdemos com a massificação global dos modos de vida?
Quando eu era menino, o Brasil tinha 90% de população rural. Hoje, 90% da população é urbana. Por outro lado, na Amazônia brasileira, restam povos ainda não contatados, que vivem como há 10 mil anos. São uma referência viva do nosso passado ancestral.
Exemplos desse tipo de contradição não faltam. A Índia acabou de lançar um automóvel de 2 mil dólares. Todo mundo vai comprar. Está todo mundo felicíssimo porque vai ter um carro, mas será que esse modelo consumista ocidental é o melhor para a Índia? Nossa espécie é nova, mas tomou conta do planeta. Escravizamos as outras espécies. Se tivéssemos a capacidade de enxergar a vida como uma evolução de dezenas de milhares de anos, compreenderíamos a nossa origem e o nosso lugar, até concluir algo simples e importante: somos natureza.
O que você diria aos jovens documentaristas brasileiros?
Que fotografem mais os nossos grupos indígenas. No início da história escrita da humanidade, na antiga civilização egípcia, pessoas já habitavam a Floresta Amazônica. Temos a obrigação de conhecer e proteger esse legado cultural e ambiental.
Qual a missão da fotografia?
As duas únicas linguagens que não necessitam de tradução são a fotografia e a música. E a fotografia é, possivelmente, a linguagem mais acessível e universal que possa existir.